Criada em 2020, agfintech afirma ter encontrado um nicho de mercado e inicia processo de expansão para financiar investimentos em um mercado de US$ 40 bilhões
Para os sócios da fintech Culttivo, um cafezinho tem um sabor todo especial. Em 2020, o grupo de executivos de um banco paulista enxergou um nicho no mercado de crédito agrícola.
“O mercado de café é grande, e as principais agfintechs atendem pouco essa cultura. Temos um espaço grande para percorrer, e falamos de um universo de R$ 40 bilhões só de custeio. Queremos abocanhar uma parcela grande desse bolo” afirma o CEO, Gustavo Foz.
Com investimento próprio e o apoio de um cafeicultor – que atuou como investidor anjo – eles tiraram o negócio do papel, criando um modelo simples e original de operação: dar crédito ao produtor por meio de parcerias com armazéns que estocavam café.
Três anos depois, a agfintech já avançou vários passos. A carteira de crédito da Culttivo já soma R$ 100 milhões, com financiamentos tomados por mais de 300 produtores.
No campo do funding, a empresa captou R$ 70 milhões com um Fiagro do tipo FIDC, com prazo de cinco anos. E a expectativa é aumentar o fundo e alcançar R$ 200 milhões no futuro.
Os dados foram divulgados por Foz e o sócio e CFO da Culttivo, Gabriel Santos, em entrevista ao podcast Rural Ventures, apresentado por Fernando Rodrigues, CEO da Rural Ventures, e Kieran Gartlan, sócio e responsável pela operação no Brasil da Yield Lab.
Eles contaram a trajetória e explicaram o modelo de atuação da startup, que começou oferecendo crédito tendo como garantia o café já estocado em armazéns parceiros. Após um cadastro e análise breves, o produtor dono dos grãos já estava apto para receber o dinheiro.
“Decidimos montar a plataforma para dar uma nova oportunidade de crédito com menos burocracia, para tomar decisão mais rápido. Fizemos um trabalho em diversos armazéns que aprovamos e plugamos na plataforma”, destacou Gustavo Foz.
“De uma certa maneira, se o produtor tivesse a aprovação cadastral, com o café dentro de um armazém credenciado na Culttivo, ele teria o crédito”.
O investidor anjo foi estratégico porque atuava nas duas pontas: além de plantar café, era dono de um armazém e tinha um espaço próprio no Porto de Santos.
Os armazéns, assim, funcionariam como uma espécie de entreposto para a custódia do item, um garantidor da operação.
Segundo Gabriel Santos, o produto depositado no armazém parceiro dá uma garantia de segurança. A dificuldade foi mostrar que o produto, que não era considerado óbvio, conseguiria florescer.
A ideia era trazer para o mercado a possibilidade do produtor tomar crédito com o produto ao invés de vender. Dessa forma, ele pode escolher o melhor momento de comercializar sua produção. “O produtor consegue, assim, substituir o fluxo de caixa dele”, afirmou o CEO.
No início de sua atuação, a Culttivo montou uma estrutura de funding com fundos parceiros na Faria Lima. “Não podíamos errar. Montamos um produto que não era o mais óbvio de vender, que não daria o maior yield, mas ao mesmo tempo não perderíamos um real”, comentou Santos.
Em janeiro de 2022, a empresa fez uma rodada de captação do tipo seed para estruturar seu segundo produto. Na ocasião, levantou R$ 6,2 milhões em uma rodada liderada pela KPTL.
Com isso, depois da estocagem, a empresa passou a ofertar a possibilidade de tomar crédito para o custeio da lavoura. A intenção era trazer a base de clientes de estocagem para o segundo produto, e segundo o CFO, a aderência foi completa pelos produtores logo na primeira safra em que o produto estava disponível.
Na segunda safra, já com os dois produtos, a aderência se manteve alta, em 80%. “A combinação começa a encaixar. O produtor pensa, por exemplo, que de agosto a julho já pode tomar crédito, porque o café está num preço menor. Com isso ele carrega a commodity por um período e pode pensar no insumo e adubo que vai usar nos meses seguintes”, comentou o CEO.
A análise de crédito é feita pela própria empresa. Além da avaliação socioeconômica padrão do produtor, por meio de um sensoriamento remoto e agrônomos parceiros a Culttivo consegue atestar a produtividade e o estado da propriedade.
Além disso, a burocracia que, geralmente envolvem cartórios, foi colocada para dentro da operação.
A empresa pensa agora em um terceiro produto, dessa vez para financiar investimentos. Para isso, os executivos já projetam uma nova captação de recursos para 2024.
A empresa não descarta, ainda, atuar em outras culturas que tenham dinâmicas próximas do café, como o milho e o etanol. “São produtos que basicamente é só riscar a palavra café e escrever o novo nome”.
Atualmente, segundo o CEO, a Culttivo possui, dentro do seu funil de vendas, oito mil produtores. Nos últimos sete meses, cerca de mil produtores passaram pela análise de crédito e 360 tomaram o recurso de fato. O ticket médio gira em torno de R$ 350 mil, que é o suficiente, segundo a empresa, para financiar uma safra.
A empresa se descreve como plataforma digital que oferece, aos produtores de café, crédito livre de burocracias desnecessárias, filas e pegadinhas.
A escolha pela atuação com o café passa muito pela experiência profissional dos fundadores. Ao podcast da Rural Ventures, o CEO da empresa explicou que ele e os outros sócios entraram no mercado agro no início dos anos 2000.
Na época, o crédito via CPR direta começava a ganhar corpo, principalmente através do barter. Os executivos atuavam dentro da Sertrading, e lá cuidavam principalmente de uma cerealista que financiava os produtores, recebia produtos e fazia hedge. Foi nessa época que eles atuaram de forma mais intensa com o café.
Em 2010, a trading foi comprada pelo banco BI&P – Banco Industrial & Partners, e os atuais diretores da Culttivo se encarregaram de criar a área agro dentro da instituição financeira, que chegou a ter mais de 70 “produtos de prateleira” no segmento.
Nesse momento, o leque de grãos e alimentos se abriu e o café deixou de ser o principal no dia a dia dos executivos. “É só pegar uma lista de feira que nós já operamos com todos os produtos”, brinca Santos.
Além disso, Gustavo e Gabriel perceberam que a estrutura bancária esbarrava na burocracia em alguns processos de liberação de crédito. Eles explicam que isso acontece pois a partir do momento que um produto é criado, é difícil uma flexibilização.
“Diversas vezes que trabalhamos com uma negociação, na hora da operação acontecer para valer uma certidão já estava vencida, o que era frustrante”, conta Foz.
Foi então que em 2019 eles resolveram empreender no setor de crédito agrícola, e passaram a pensar no negócio, que saiu do papel no meio da pandemia, em 2020.