Por outro lado, a nota técnica não leva em consideração a eventual chegada de frentes frias, a ocorrência de secas e ou de queimadas no território brasileiro. Com efeito, o estudo projeta “o alinhamento perfeito” entre condições climáticas, políticas e do mercado internacional para a expansão do agronegócio, o que significa que podemos chegar à metade de 2023 com mudanças nas condições do jogo. Dessa forma, reunimos três grandes inovações, práticas e mindsets que já fazem parte do agronegócio e, com certeza, irão se consolidar nos próximos meses, independentemente do contexto externo, implicações políticas ou mudanças climáticas.
1 .Tecnologia de ponta na lavoura: 5G, IoT e outras ferramentas
Ao longo de 2022 e, antes disso, durante a pandemia, duas tendências se consolidaram dentro do ambiente agrícola: a tecnologia de ponta, e a introdução da 5ª geração de telecomunicações, também conhecida como 5G. Por certo, nem todos os empreendimentos ou produtores conseguiram adotar essas inovações da mesma maneira. Não à toa, segundo o estudo Agricultura Digital Brasil, de 2020, a principal tecnologia utilizada por fazendas e unidades produtivas é a internet disponível em celulares.
Para piorar, o Relatório das Redes Móveis, elaborado e apresentado pelo Senado no primeiro semestre de 2022, indica grandes desafios para a implementação das tecnologias de 3G e 4G no contexto rural. De acordo com o parecer, no cenário mais otimista, seriam necessárias 4.440 novas antenas para expandir a cobertura de telecomunicações no território brasileiro. O estudo não detalha quais seriam os custos, nem quanto tempo demandaria para o Poder Público introduzir as transformações de infraestrutura, e pondera de que o investimento tem potencial de gerar um aumento de 4,5% no PIB anual do agronegócio, ou cerca de R$ 47,5 bilhões.
Em outras palavras, não há nada de concreto na influência dessas tecnologias para a maioria dos estabelecimentos rurais, tendo em vista que a grande parte dessas inovações, transformações e atribuições tecnológicas se concentra nas mãos de famílias e produtores que tradicionalmente sempre tiveram o acesso facilitado às novidades. Por outro lado, embora essas inovações não tenham chegado ou se consolidado na maioria de fazendas, sua presença tímida vem transformando a cultura do agronegócio, sobretudo, entre pequenos e médios agricultores e pecuaristas.
De acordo com a 8ª Pesquisa ABMRA Hábitos Produtor Rural, realizada pela Associação Brasileira de Marketing Rural e Agro em 2021, a despeito da falta de infraestrutura houve uma democratização do acesso à internet no campo. Mesmo com a conexão centralizada em smartphones ou computadores, 76% dos entrevistados utilizam o ambiente virtual para fazer negócios, pesquisar tecnológicas e se atualizar sobre as novidades do mundo e do universo agro. Dessa forma, nos últimos anos, o agricultor e o pecuarista têm buscado entender as novas dinâmicas do mercado de grãos e do comércio de proteínas para se preparar internamente para modernização de negócios.
Tanto é assim que de acordo com um levantamento da Berg Insight, consultoria independente, durante 2020, o investimento global em agricultura de precisão (representada por drones, máquinas inteligentes, Big Data e outras inovações de cloud services) foi de cerca de € 2.7 bilhões, assim o financiamento de soluções de rápido crescimento de propriedade, como geolocalização, automação de algumas máquinas das fazendas e, em raros casos, a implementação da Internet das Coisas (IoT) superou as barreiras sociais e alcançou produtores nos quatro cantos do globo . Ainda segundo a pesquisa, a tendência é que esse mercado se expanda 7% ao ano, proporcionando mais produtividade a todos os envolvidos na cadeia.
Para se ter uma ideia, no Brasil, segundo o Radar Agtech Brasil 2022, um painel interativo que reúne as fintechs do mundo agrícola, mais de 40% das startups do agro apresentam soluções voltadas à otimização de safras e ao aumento de produtividade da agropecuária. Dessa forma, existe uma grande demanda de pequenos, grandes e médios agricultores e pecuaristas pela adoção dessas ferramentas e técnicas que será cada vez mais acentuada.
2.Soluções porteira afora (desbancarização, mudança da cultura organizacional, soluções de fintechs)
Na linha de inovações preconizadas pelas agtechs, um grande segmento de serviços porteira afora, isto é, antes do período de plantio e da época de colheita, tem tomado o mercado do agronegócio e democratizado o acesso ao crédito de maneira horizontal. Não é mera coincidência de que os esforços dessas startups, na jornada de empoderamento do produtor rural, fizeram o Plano Safra deste ano (edição 2022|2023) disponibilizar R$ 340,8 bilhões para agropecuária, um aumento de mais de 36% do valor oferecido em relação à última edição.
Entre as inovações disponibilizadas por empresas do segmento estão soluções de fertilizantes, análise laboratorial de espécimes e plantas e, principalmente, ferramentas de crédito, permuta e financiamento de safra. Esse último ponto tem sido um divisor de águas no agronegócio e, talvez, um dos principais focos de desenvolvimento do setor para pequenos e médios agricultores. Segundo dados da AgTech Pocket Report 2022, divulgado pela startup de inovações Distrito em junho, entre 2017 e 2022 as agritechs tiveram um salto de investimentos para casa dos 600%, com destaque para 2021, no qual empresas agrícolas receberam aportes de U$ 109,2 milhões.
Um dos principais responsáveis pelo acréscimo de cifras e a democratização do cenário de crédito agrícola foi a aprovação de dois dispositivos jurídicos: a Lei 13.986/2020 e a 1.104/2022 — apelidadas, respectivamente, de Lei Agro 1 e 2 — que não apenas expandiram o leque de opções para produtores rurais firmarem contratos de financiamento como também facilitaram a chegada de novas instituições financeiras no mercado. Nesse contexto transformações do cenário agrícola, o programa governamental AgroHub, criado e disponibilizado pelo Governo Federal em 2022, pretende reunir todas as iniciativas público-privadas em uma única plataforma, em que investidores e produtores poderão descobrir, analisar e participar de discussões que delinearão novas oportunidades aos participantes da cadeia do agronegócio.
No entanto, nada disso seria possível se as unidades produtivas não tivessem feito investimento para transformar sua cultura organizacional. Com efeito, um levantamento realizado pela Fundação Dom Cabral com cerca de 200 entrevistados apontou que mais da metade das famílias ouvidas já fazem um planejamento de sucessão de gestão — muitas vezes da mesma família. Todavia, apenas 7% dos produtores dizem investir na criação de um conselho constitutivo, apesar de já acreditarem nos potenciais produtivos da mentalidade empresarial. Na avaliação dos pesquisadores que elaboraram o estudo, a tendência é que medidas governamentais focadas em boas práticas sociais, culturais e de transparência sejam os próximos passos para o desenvolvimento pleno do agronegócio, que tem suas raízes na gestão familiar.
3.Consolidação da mentalidade ESG
Por fim, mas não menos importante, as práticas de ESG (ligadas à governança ambiental, social e corporativa) estarão cada vez mais presentes no dia a dia de agricultores, pecuaristas e aquicultores em todo o país. Seja por uma questão de aumento e oportunidades de negócios e revitalização do mercado agro, seja por mudanças drásticas na maneira como o mercado internacional funcionará em 2023. No dia 6 de dezembro, o Conselho e o Parlamento Europeu aprovaram uma resolução que proíbe a entrada de commodities produzidas em áreas desmatadas ou, com indícios de crimes ambientais, após 31 de dezembro de 2021. Embora o texto final ainda precise ser referendado pelas duas casas, as fazendas de café, soja e algodão, assim como propriedades de corte animal devem estar atentas às novas exigências.
Em poucas palavras, o que será cada vez mais exigido dos produtores rurais serão os tais “selos verdes” ou “certificados de boas práticas” os quais garantirão o livre trânsito de produtos e ferramentas entre países. Por outro lado, a mentalidade ESG, sobretudo a sigla “E”, pode proporcionar uma série de benefícios a empreendedores rurais e investidores agrícolas em todo o país. De acordo com um levantamento da agência Bloomberg, ações pautadas na sustentabilidade ecológica, governança transparente e preocupação social movimentaram mais de US$ 41 trilhões dentro de fundos verdes ao redor do globo, principalmente para recuperação de biomas e unidades produtivas.
Oportunidade de negócios ou obrigação para a sobrevivência? Só o tempo dirá qual será o mote adotado pelo produtor nacional nos próximos anos. Em tempo, uma coisa é clara: a mentalidade ESG é a melhor maneira de não apenas ampliar a presença no mercado, como também a melhor estratégia de aumentar a produtividade e consolidar a presença do agronegócio brasileiro como uma liderança incontestável no cenário global. Segundo levantamento recente da Embrapa, com base nos Cadastros Ambientais Rurais (CARs), o país já apresenta áreas de preservação em cerca de 25% de todas as propriedades rurais e, mesmo com essa cifra enorme, está entre as três maiores nações agrícolas do mundo. Ou seja, as correntes sustentáveis que sopram da Europa podem representar o sopro transformador dos campos brasileiros em celeiro do mundo e moinho do progresso global.
Em resumo, 2023 será um ano repleto de oportunidades e desafios para todos os segmentos da grande roda agrícola brasileira. Conforme os novos atores tomarem suas posições e as engrenagens da máquina agrícola se azeitarem, teremos um terreno fértil para o desenvolvimento de culturas, comportamentos e, sobretudo, práticas que serão benéficas a todos os participantes de mais um círculo virtuoso no campo.
Gustavo Foz é CEO e cofundador da Culttivo, startup que garante financiamento 100% online para produtores de café em um prazo muito menor que os bancos tradicionais.